"(...)Não te equivoques, Nathanael, ante o título brutal que me agradou dar a este livro.

Nele me pus sem arrebiques nem pudor; e se nele falo por vezes de lugares que não vi, de perfumes que não cheirei, de ações que não cometi – ou de ti, Nathanael, que ainda não encontrei – não é por hipocrisia. E essas coisas não são mais mentirosas do que este nome que te dou, Nathanael, que me lerás, ignorando o teu, ainda por surgir.

Quando me tiveres lido, joga fora este livro – e sai. Sai do que quer que seja e de onde seja, de tua cidade, de tua família, de teu quarto, de teu pensamento. Que o meu livro te ensine a te interessares mais por ti do que por ele próprio – depois por tudo o mais – mais do que por ti."

André Gide em "Os Frutos da Terra". Paris, 1927.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

zeitgeist

quando dei-me conta, o seu cigarro já estava acesso. sim, eu lembro dela tirar o maço da bolsa, sacar o cigarro, mas não vi acender. não tem mais como negar meus lapsos de atenção. depois da primeira tragada. “continuando o assunto...”. como assim, continuando? onde havíamos parado? do que falávamos? enfim. “o brasil-tem-um-puta-potencial-não-aproveitado” “poderíamos ser o-país-do-futuro”. “porra, cara, é muito mais que atitude, é o espírito do tempo.” era bonito ouvir suas gírias de bandido explicando o zeitgeist – que eu nunca entendi. as palavras saindo daqueles lábios, puras, redondas, tão redondas quanto os bicos dos seus seios em alto relevo sob a amarrotada camiseta branca sem sutiã. “não, não quero amendoim.” ergueu o copo bem alto. no impulso da minha desatenção, ergui o meu também, esperando o brindar. “mais dois chopps, capitão”. baixei, meu copo. disse que não bebia. “vá se foder, moleque”. e riu. como quem me faz um cafuné.

Um comentário:

ana disse...

se não fossem: o boné, o filtro amarelo, os palavrões mais áridos, eu me identificaria com o instante fotografado e descrito.
lindo.