"(...)Não te equivoques, Nathanael, ante o título brutal que me agradou dar a este livro.

Nele me pus sem arrebiques nem pudor; e se nele falo por vezes de lugares que não vi, de perfumes que não cheirei, de ações que não cometi – ou de ti, Nathanael, que ainda não encontrei – não é por hipocrisia. E essas coisas não são mais mentirosas do que este nome que te dou, Nathanael, que me lerás, ignorando o teu, ainda por surgir.

Quando me tiveres lido, joga fora este livro – e sai. Sai do que quer que seja e de onde seja, de tua cidade, de tua família, de teu quarto, de teu pensamento. Que o meu livro te ensine a te interessares mais por ti do que por ele próprio – depois por tudo o mais – mais do que por ti."

André Gide em "Os Frutos da Terra". Paris, 1927.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

porta-retrato


nem todos que olhassem, veriam.
é comum o engano de achar que olhar é sinônimo de ver. muitas das vezes, olhar não é ao menos premissa pra ver. a visão não depende dos olhos. e o olhar é voluntário, caso não se queira olhar, basta fechar os olhos. o ver, por sua vez, é involuntário e com olhos fechados se vê até melhor. eu vi, o que era evidente. eu estava na fotografia. sim, sou eu com todos os meus pecados. mas não tinha porque estar ali, não queria me encontrar. 

de fato, sou eu na foto.
mas eu não estou lá.