"(...)Não te equivoques, Nathanael, ante o título brutal que me agradou dar a este livro.

Nele me pus sem arrebiques nem pudor; e se nele falo por vezes de lugares que não vi, de perfumes que não cheirei, de ações que não cometi – ou de ti, Nathanael, que ainda não encontrei – não é por hipocrisia. E essas coisas não são mais mentirosas do que este nome que te dou, Nathanael, que me lerás, ignorando o teu, ainda por surgir.

Quando me tiveres lido, joga fora este livro – e sai. Sai do que quer que seja e de onde seja, de tua cidade, de tua família, de teu quarto, de teu pensamento. Que o meu livro te ensine a te interessares mais por ti do que por ele próprio – depois por tudo o mais – mais do que por ti."

André Gide em "Os Frutos da Terra". Paris, 1927.

domingo, 29 de abril de 2007

Idiossincrasia


“E se a nossa alma valeu alguma coisa,
é porque ardeu com mais ardor do que outras”.

-André Gide

Gosto de acreditar que, para me divertir, eu só precisaria abrir a porta e sair. Mas as coisas cresceram, a ponto de eu não conseguir mais me desvencilhar do que nunca foi recíproco. E mesmo assim, ainda prefiro esse clima de cinema seiscentista.

E insisto em me iludir. Mesmo que os laços afetivos não atem ninguém, você acaba optando por esse cárcere contente. Quando se têm alguém já tão imerso no seu quotidiano, é difícil imaginar sorrisos privados da agradável companhia. Tantas pessoas, tantos rostos com tantas histórias para contar; e eu não quero nada mais que aquele rosto familiar com as mesmas carochinhas de sempre.

Nos dias em que não vejo a terra de onde brota a minha alegria, fico perdido. Sou tomado por esse louco lirismo, cheio de clichês e romantismo barato e me ponho a escrever. Pressentindo, sentindo, ressentindo a falta que você fará, faz e fez.

As páginas dos meus livros não vêem mais os meus olhos. As cordas da minha guitarra sentem falta dos meus dedos. As capas dos CDs sumiram embaixo de tanta poeira. Maldito van Gogh, pendurado na parede, rindo dos meus girassóis...

Dessa forma, acabo me surpreendendo comigo mesmo. Sem ter tempo pra nada, exceto pra alguém. Não esperava me mostrar tão leal e afável, repudiando tudo que possa pôr em risco o que durou, e ainda dura, mais tempo do que eu acreditava. Não sei como se chama isso.

Só sei que resisti e ainda resisto às tentações. Sem precisar errar para saber o que sinto...

“eu vi como há muito tempo não via a poesia sorrir pra mim. sorri de volta, corri com meu cavalinho pra chuva e achei que assumir o risco era menos ridículo do que de fato é. eu vi métrica no teu texto, vi semiótica nos teus códigos, vi um encontro onde você viu exercício de estilo.”
-Leandro Id Lascado

João Freitas tem 26 anos e só escreve nos fins de semana...




Nos Tímpanos: Moreno +2 – Enquanto Isso

domingo, 22 de abril de 2007

Saudosismo


“Felicidade se acha em horinhas de descuido”
-João Guimarães Rosa

A constante insatisfação do homem é tão certa como a convicção de sua morte. Estamos sempre querendo mais da vida, mais de nós, mais dos outros; e o que falta embaça a nossa vista para o que já temos. Mas quando perdemos algo, nós somos tomados por uma estranha melancolia, semelhante a um arrependimento.

Eu sei muito bem como funciona e poderia dizer como é isso, mas vem logo a sóbria e eloqüente razão, que manda eu me calar e sorve toda essa falsa consternação. Isso deve ser instinto, coisa de sobrevivência.

Quando sua vida muda muito em muito pouco tempo, você acaba aprendendo a se acostumar com tudo. Embora eu diga, que no momento, estou contente, a saudade vem e me faz sentir falta de outros tempos.

As velhas amizades, as risadas incontroláveis, a libido óbvia, a cumplicidade, a tal fugaz vulgaridade deixam boas lembranças. E se eu vier a chorar por essa saudade, não vai ser por tristeza, já que agora não sinto nenhuma, é por não poder reviver tais momentos.

Eu sinto saudade dos tempos de colégio. Sinto saudade do futebol. Eu sinto saudade de um tempo em que a felicidade não batia a minha porta, mas entrava correndo pelo meu quintal. Eu sinto saudade dos amigos que o tempo não vai deixar se afastarem. Sinto saudade de quando eu podia viver impunemente. Eu sinto saudade do tempo que as vulvas se abriam como sorrisos...

“(...) repentinamente, nos damos conta de que os enigmas da Via Láctea são pequenos demais comparados com aqueles das pessoas que vemos todo dia. Só que nossos olhares ficaram baços, e não percebemos o maravilhoso ao nosso lado. Se fôssemos tomados pelo fascínio, então pararíamos para ver e veríamos coisas de que nunca havíamos suspeitados.”
- Rubem Alves

João Freitas tem 19 anos e não sabe se saudade é um sentimento bom ou ruim...




Nos Tímpanos: Os Paralamas do Sucesso – Seja Você

sábado, 7 de abril de 2007

Room on Fire


“Ela veio toda precisa, senão toda necessária
em sua curtida saia
de flores e sorrisos,
hipnótico riff
de guitarra.”
- Caio Carmacho


Por estar sempre flutuando, ela precisava tirar as sandálias para poder notar o chão. Juliana fazia isso para sentir o mundo girar, mesmo que nem sempre fosse envolta dela. E nas noites em que o sono a consumia, ela não fazia muita resistência, ia logo se deitar. E ao tirar os pés do chão para repousar em sua cama, eu tinha a breve impressão do mundo parar.

Ela não se apegava a nada, mas sempre desejava algo novo, algo a mais. Queria ter a Lua, mas talvez se a tivesse, não daria tanto valor. De qualquer forma, era melhor assim, talvez seu ego não permitiria as noites luminosas.

Até hoje, eu não sei se, realmente, nos dávamos bem ou se apenas nos suportávamos; se é que isso importava. Mas de fato, a comodidade me incomodava. A morbidez tomava conta de nós dois nos dias em que o sol não passava de uma lacônica lembrança de ontem. Malditos dias nublados...

Como se seu ar de superioridade não fosse o bastante para me incomodar, ela pousava seus pés sobre a mesa de centro. Ela procurando novas maneiras de me enfadar, eu procurando o long-play dos Rolling Stones que ela tomou emprestado.

Sempre tentava esquecer que, um dia, estivemos juntos. E que se, agora, dividimos o mesmo teto, é por que nenhum dos dois tem condições de assumir o aluguel. Estamos condenados à nos fazer companhia.

E nada mais me irrita que a sua maneira de achar que tudo está bem. O mundo está em guerra, tudo bem, ela não queria sair de casa. A água vai acabar, tudo bem, ela prefere Dry Martini. A sala está pegando fogo, tudo bem, ela vai continuar penteando seu cabelo.


João Freitas tem 26 anos e ainda não encontrou o LP dos Rolling Stones...





Nos tímpanos: The Strokes - Reptilia