"(...)Não te equivoques, Nathanael, ante o título brutal que me agradou dar a este livro.

Nele me pus sem arrebiques nem pudor; e se nele falo por vezes de lugares que não vi, de perfumes que não cheirei, de ações que não cometi – ou de ti, Nathanael, que ainda não encontrei – não é por hipocrisia. E essas coisas não são mais mentirosas do que este nome que te dou, Nathanael, que me lerás, ignorando o teu, ainda por surgir.

Quando me tiveres lido, joga fora este livro – e sai. Sai do que quer que seja e de onde seja, de tua cidade, de tua família, de teu quarto, de teu pensamento. Que o meu livro te ensine a te interessares mais por ti do que por ele próprio – depois por tudo o mais – mais do que por ti."

André Gide em "Os Frutos da Terra". Paris, 1927.

sábado, 18 de julho de 2009

Cabimento


“Nosso mundo não cabe no mundo”

-Eduardo Giannetti

Menina de rosa,

Não quero dizer que não quero ir, tampouco que aqui ficarei, mas admito de antemão o peito apertado de pensar na distância que nos separará. Não é fácil. O que de certa maneira me alivia – ou ilude que alivia – é a impressão de mundo portátil que teremos, de que esses vastos continentes serão cômodos da nossa imensa casa, esses infindáveis oceanos serão nossas banheiras, piscinas e - dependendo da salubridade - a água dos nossos sanitários.

Todas as coisas têm motivos, querida. Não precisamos lembrar dos motivos que acenderam o pavio da partida, mas devemos imaginar que toda essa aventura será o motivo de coisas maiores que conseguiremos, ou pelo menos, será experiência. Ainda não fomos, mas já chegamos em um ponto que não convém voltar.

Nós não vamos nos separar, nem que queiramos. Já tem muito de você em mim, querida, e muito de mim e você, é impossível separar-se de si mesmo. E é isso que me dará força, sua parte garrida estará comigo, tentarei fazer as coisas com sua determinação e hei de conseguir.

Os riscos são imensos. Nós estaremos distantes de tudo, das nossas famílias, dos nossos amigos, das nossas rotinas. Devemos tomar cuidado para que não nos distanciemos muito do que somos hoje, que as mudanças que virão sejam sempre para melhor, que possamos crescer cada vez mais.

Querida, iremos cometer muitos erros por aí, a vida é feito disso, não tem jeito. Mas que tenhamos a nobreza de aprendermos com eles e saber conduzir a nossa vida com inteligência e honestidade.

A minha espera pela data de partida tem sido maior que a sua, mas isso não é problema. Não quero ir hoje, ainda não aproveitamos o dia da melhor maneira. Não quero ir com a sensação que deixei algo para trás, quero levar tudo comigo, na lembrança, no coração. Vamos aproveitar todo o tempo que nos foi dado, amor. A vida é isso.

E haveremos de nos encontrar, porque se o nosso mundo não cabe no mundo, a saudade tampouco caberá.

“E nossa história não estará pelo avesso
Assim, sem final feliz.
Teremos coisas bonitas pra contar.
E até lá, vamos viver
Temos muito ainda por fazer
Não olhe pra trás
Apenas começamos.
O mundo começa agora
Apenas começamos.”

- Renato Russo


João Freitas tem 19 anos e está gripado.



Nos Tímpanos: We Were Promised Jetpacks – Moving Clocks Run Slow

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Farsa

Achei que a inspiração para as prosas havia me abandonado, como também achei que algumas pessoas o fizeram. De alguma maneira, o bel-prazer de escrever retorna em ondas fortes e revoltas, umedecendo as areias, secas por algum tempo, da imaginação.  Em pouco tempo já cogita dominar o litoral e afogar tudo que é vão e irreal.

Embora escrever seja fastigante para mim, tenho o feito. Não como um hobby, tampouco como um vício. Escrever têm sido a cura. Dos males não tenho muito o que falar e acredito ser deveras hipocondríaco listá-los e atribuir a cada um possíveis curas. E mesmo que o fizesse seria tarefa impossível encaixar o tão árduo ato de escrever como um elixir para qualquer mal passível de substantivação. Sendo assim, resta-me declarar minha escrita a cura para os males sem nomes. Não. Não estou dizendo, caro leitor, que irei lhe curar, nem mesmo que as palavras aqui expostas te farão algum bem. Apenas retifico que escrever me faz bem.

Não escrevo para contar nenhuma novidade, até porque de certa forma, há tempos não existem novidades. Não refiro apenas a minha vida, refiro-me à de todos nós. Saberias contar-me uma novidade, caro leitor? Sem a apreensão da dúvida, sei que virás com uma fofoca, podendo essa ter apenas dois tipos de protagonistas: um amigo comum ou alguém famoso . Desta maneira, afirmo com muita galhardia que já não existem novidades e tudo o que ouvimos são apenas simulacros de notícias já antigas com alguma mudança de personagem e lugar.

Escrever se configura como uma espécie de egoísmo banhado em prepotência. Toda essa manipulação de substantivos, verbos, advérbios, pronomes e, principalmente, adjetivos é uma maneira de se dizer algo não-novo, mas à sua maneira. Acabo de explicar o egoísmo, já a prepotência é derivada da falsa impressão de que o que está  sendo escrito é realmente merecedor de leitura, que não é apenas uma enfadonha embromação dos já citados – e explicados – simulacros.

Mesmo sendo exercida, com toda a imaginável classe, a manipulação das palavras será sempre assaz limitada, já que não existe dicionário que defina tudo que existe. Sem falar das coisas sem nome que só são percebidas através de gestos e subgestos. Qualquer um que escreve com total intuito descritivo,sugiro que desista, há coisas que nunca se poderão explicar por palavras.

Devo referir-me, também, à minha própria indecisão, já havia dito que tinha desistido das prosas. Só que os versos não me dão alento suficiente, quando me dou conta, eles já acabaram. E além do mais, para escrever versos necessita-se uma vocação, um dom, ou, para os pragmáticos, técnica. É sabido que não são só esses três predicados  que me faltam. A prosa por sua vez é democrática, abriga os farsantes das palavras, como eu.  

Não tenho a intenção de ludibriar-te, caro leitor. De tudo que eu já escrevi, a manipulação de palavras aqui apresentada é a mais vazia. Eu também prefiro as estórias profundas, permeadas com minhas mentiras e verdades, mas às vezes precisamos do vazio até para a nossa própria expressão e conforto. Devo parar por aqui. Não adiantaria eu muito me alongar, buscando mais uma dúzia de metáforas. A única coisa que dura a vida toda é a vida, o resto é sempre precário, instável, fugidio e resto.

João Freitas fará 19 anos em breve e é, inegavelmente, um farsante.

 


 

Nos tímpanos: The Old Romantic Killer Band – Trouble Causer