"(...)Não te equivoques, Nathanael, ante o título brutal que me agradou dar a este livro.

Nele me pus sem arrebiques nem pudor; e se nele falo por vezes de lugares que não vi, de perfumes que não cheirei, de ações que não cometi – ou de ti, Nathanael, que ainda não encontrei – não é por hipocrisia. E essas coisas não são mais mentirosas do que este nome que te dou, Nathanael, que me lerás, ignorando o teu, ainda por surgir.

Quando me tiveres lido, joga fora este livro – e sai. Sai do que quer que seja e de onde seja, de tua cidade, de tua família, de teu quarto, de teu pensamento. Que o meu livro te ensine a te interessares mais por ti do que por ele próprio – depois por tudo o mais – mais do que por ti."

André Gide em "Os Frutos da Terra". Paris, 1927.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

alma, lama, mala



quando chegou, já não mais esperava por ela. entrou de mansinho pela porta da sala. assustou-se por me ver no canto da sala. e riu. simplesmente, riu. ri junto. e eu jamais ousaria esquecer a brutalidade da sua risada, ainda que fosse a mais sincera. era um descalabro, um desespero, um desatino. perdida dentro das próprias fantasias, me encarava como se eu fosse um mito, um monarca, um deus – pagão, evidentemente. risos falsos ou sinceros, rimos e rimos e rimos. lavamos a alma sem precisar apelar para a panacéia do orgasmo. ainda com a risada estrondosa ela se dirigiu ao quarto, pude ver um pouco de lama no seu sapato de oncinha - que eu sempre odiei - sinal de quem, realmente, acabou de chegar. depois de não mais de cinco minutos,  voltou com a mala feita, de quem, realmente, está prestes a partir.

2 comentários:

caio carmacho disse...

valeu joão! alegria meu nobre!

abração!

Giammattey disse...

daria pra desenvolver mais o enredo da terça parte para o final.

terminou o texto, mas parece que ele não queria terminar.

você fez o título só depois? ou foi no processo?

aludindo a clarice lispector, me parece que você nomeou o ovo antes da galinha chocar.

abraços, meu caro.