"(...)Não te equivoques, Nathanael, ante o título brutal que me agradou dar a este livro.

Nele me pus sem arrebiques nem pudor; e se nele falo por vezes de lugares que não vi, de perfumes que não cheirei, de ações que não cometi – ou de ti, Nathanael, que ainda não encontrei – não é por hipocrisia. E essas coisas não são mais mentirosas do que este nome que te dou, Nathanael, que me lerás, ignorando o teu, ainda por surgir.

Quando me tiveres lido, joga fora este livro – e sai. Sai do que quer que seja e de onde seja, de tua cidade, de tua família, de teu quarto, de teu pensamento. Que o meu livro te ensine a te interessares mais por ti do que por ele próprio – depois por tudo o mais – mais do que por ti."

André Gide em "Os Frutos da Terra". Paris, 1927.

sábado, 7 de abril de 2007

Room on Fire


“Ela veio toda precisa, senão toda necessária
em sua curtida saia
de flores e sorrisos,
hipnótico riff
de guitarra.”
- Caio Carmacho


Por estar sempre flutuando, ela precisava tirar as sandálias para poder notar o chão. Juliana fazia isso para sentir o mundo girar, mesmo que nem sempre fosse envolta dela. E nas noites em que o sono a consumia, ela não fazia muita resistência, ia logo se deitar. E ao tirar os pés do chão para repousar em sua cama, eu tinha a breve impressão do mundo parar.

Ela não se apegava a nada, mas sempre desejava algo novo, algo a mais. Queria ter a Lua, mas talvez se a tivesse, não daria tanto valor. De qualquer forma, era melhor assim, talvez seu ego não permitiria as noites luminosas.

Até hoje, eu não sei se, realmente, nos dávamos bem ou se apenas nos suportávamos; se é que isso importava. Mas de fato, a comodidade me incomodava. A morbidez tomava conta de nós dois nos dias em que o sol não passava de uma lacônica lembrança de ontem. Malditos dias nublados...

Como se seu ar de superioridade não fosse o bastante para me incomodar, ela pousava seus pés sobre a mesa de centro. Ela procurando novas maneiras de me enfadar, eu procurando o long-play dos Rolling Stones que ela tomou emprestado.

Sempre tentava esquecer que, um dia, estivemos juntos. E que se, agora, dividimos o mesmo teto, é por que nenhum dos dois tem condições de assumir o aluguel. Estamos condenados à nos fazer companhia.

E nada mais me irrita que a sua maneira de achar que tudo está bem. O mundo está em guerra, tudo bem, ela não queria sair de casa. A água vai acabar, tudo bem, ela prefere Dry Martini. A sala está pegando fogo, tudo bem, ela vai continuar penteando seu cabelo.


João Freitas tem 26 anos e ainda não encontrou o LP dos Rolling Stones...





Nos tímpanos: The Strokes - Reptilia


5 comentários:

Gabriel Mourão disse...

Não sei se comparo você a Juliana em certos pontos ou se digo que isso parece com um relacionamento mal-sucedido. Acho que essa confusão que você me deixou foi uma ótica idéia, o texto chega a ser confuso já que a interpretação não é tão clara. Resumindo, um belo texto.

Anônimo disse...

e ela flutua,
e é tão belo.

=]

Anônimo disse...

eu gostei bastante da juliana. acho que o joão que é o vilão do texto.
muito bom!
beijo

universitario disse...

ahuahuahua mlk seus textos tao me conquistando confesso nao ser um leitor assiduo as suas obras ahuahuauhauhauh ,mas esse tom formal e rebuscado me faz olhar para esses textos bizzaros e achar bom.

universitario disse...

ah e jah ai esquecendo espero ,ainda, um dia nao tendo nada pra fazer passar por aqui e ler um texto referente a minha pessoa hauah