"(...)Não te equivoques, Nathanael, ante o título brutal que me agradou dar a este livro.

Nele me pus sem arrebiques nem pudor; e se nele falo por vezes de lugares que não vi, de perfumes que não cheirei, de ações que não cometi – ou de ti, Nathanael, que ainda não encontrei – não é por hipocrisia. E essas coisas não são mais mentirosas do que este nome que te dou, Nathanael, que me lerás, ignorando o teu, ainda por surgir.

Quando me tiveres lido, joga fora este livro – e sai. Sai do que quer que seja e de onde seja, de tua cidade, de tua família, de teu quarto, de teu pensamento. Que o meu livro te ensine a te interessares mais por ti do que por ele próprio – depois por tudo o mais – mais do que por ti."

André Gide em "Os Frutos da Terra". Paris, 1927.

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2007

Contra o Tempo



"No anfiteatro, sob o céu de estrelas

Um concerto eu imagino
Onde, num relance, o tempo alcance a glória
E o artista, o infinito"
Chico Buarque

O cheiro da coxia me inebria... Acho que esse é o último e verdadeiro motivo para não ter abandonado o teatro. Depois de 47 anos em cima do palco, deixei de ser artista. Tornei-me uma daquelas pinturas à óleo que nunca secam e que o destino, agora com os pincéis na mão, se encarrega de a cada dia pôr uma ruga a mais.

O desejo de ser ator vem de antes do meu nascimento. A minha mãe fazia teatro amador e sonhava em um dia vir a ser uma famosa a triz de cinema. Talvez seu fracasso latente tenha me feito seguir essa carreira. Admirável ofício que os ignorantes julgam como ócio.

Desprezando toda a minha insistência, a sorte nunca foi alheia ao meu sustento. Não falo das catástrofes inusitadas que ocorreram durante as apresentações, porque isso acontece, pelo menos uma vez, com todos os atores. A minha insatisfação se dá por eu não ter atingido o sucesso, por estar condenado a ser eternamente um ator medíocre de teatro.

A minha decepção aumenta junto com a idade. Já estou velho para participar de “Malhação” e nem cairia muito bem um homem de minha idade ser chamado de “ator revelação”.

Acho que essa é a parte mais difícil da vida, seus sonhos não foram realizados e você já não tem mais tanto tempo para sonhar outros sonhos. Resta agora esperar minha morte e lamentar o meu não-reconhecimento.

É o final de mais um espetáculo, um daqueles cheios de clichê e que não dizem muita coisa. Só se ouve tímidas palmas, mais por educação do que por admiração. As luzes se apagam lentamente e a música termina em fade-out. Não se sabe mais o que é vida e o que é ficção.

João Freitas tem 66 anos e continuará vivendo até o espetáculo terminar...





Nos Tímpanos: Mombojó - Deixe-se Acreditar

2 comentários:

Mônica Z® Rosa disse...

mais melancólico que decadente...mais tímido que desiludido...o fato é que o seu têmpero com as palavras tem se aperfeiçoado tanto que vale a pena uma fagocitose lexical...
fogos de artíficio*****
te amo amigão!

Anônimo disse...

É o tipo de coisa que se escreve de madrugada.