"(...)Não te equivoques, Nathanael, ante o título brutal que me agradou dar a este livro.

Nele me pus sem arrebiques nem pudor; e se nele falo por vezes de lugares que não vi, de perfumes que não cheirei, de ações que não cometi – ou de ti, Nathanael, que ainda não encontrei – não é por hipocrisia. E essas coisas não são mais mentirosas do que este nome que te dou, Nathanael, que me lerás, ignorando o teu, ainda por surgir.

Quando me tiveres lido, joga fora este livro – e sai. Sai do que quer que seja e de onde seja, de tua cidade, de tua família, de teu quarto, de teu pensamento. Que o meu livro te ensine a te interessares mais por ti do que por ele próprio – depois por tudo o mais – mais do que por ti."

André Gide em "Os Frutos da Terra". Paris, 1927.

sexta-feira, 18 de maio de 2007

Prêt-à-Porter


“E quando a derradeira, enfim, vier,
Nesse corpo vibrante de mulher
Será o meu que hás de encontrar ainda”

- Florbela Espanca


Era uma tarde sem sol, mas fazia calor. Os passos estavam mais lentos para o tempo sentir preguiça em passar. E caminhávamos, sem querer saber pra onde iríamos; a mim não importava o que fazer, mas com quem fazer. Estar contigo é o bastante. Mesmo que miinha mão estivesse sobre o seu ombro esquerdo, era sempre você quem traçava os nossos caminhos.

E era só isso que eu queria, que me levasse enquanto nossos corpos estavam leves. Não queria que você me levasse a mal, mas sim, a sério. Às vezes, precisamos nos jogar de um precipício, sem pensarmos muito. E desfrutar da queda, aproveitar os instantes em que seu corpo está livre, deleitar-se enquanto o chão não encontra os nossos pés.

Mas minha querida, quando não dá mais para flutuar, o chão, infelizmente, é a nossa única opção. Então, os problemas vêm à tona. Percebo que os relacionamentos são perecíveis e o tempo, que antes era preguiçoso, agora se esvai num piscar.

Estou agora à mercê dos seus delírios, dependendo do sol, da chuva e das suas benevolências. Recusando os freios, os veios, os limites; eu aqui de baixo, gritando e sacudindo os braços: “Menina, desça já da sua razão.” Infelizmente, você nem me escuta.

Porém, certamente, guardarás o meu toque em algum dos escaninhos de teu corpo. E se um dia resolver tirar poeira, a nostalgia incendiará a tua alma, tornando a saudade latente. Se precisar de mim, estarei aqui, no meio dos empoeirados, esperando, esperando por uma tarde sem sol.

João Freitas tem 29 anos e tenta pensar no agora...



Nos Tímpanos: Los Hermanos – Casa Pré-Fabricada